Durante anos a Vila Tibério teve um ponto de referência do Botafogo além da sede do clube. Era a Casa do Atleta, situada à Rua Martinico Prado, próxima à Praça Coração de Maria, em frente a Confecções Pedro. Ali moravam os jogadores solteiros que vinham de outras cidades e os casados enquanto a família não se transferia para Ribeirão Preto. Lorico jogou três anos no Botafogo e nunca trouxe a família, para economizar, morava na Casa do Atleta. O apelido dele era “Tio Patinhas”.
Visita ilustre...
O gerente da casa era José Agnelli. Fiscalizava e principalmente aconselhava os jovens. A Casa do Atleta era uma atração na Vila, as pessoas que passavam pela Martinico Prado adoravam seus ídolos e a facilidade de contato com eles. Os jogadores recebiam com freqüência a visita do maior ídolo do momento, Dr. Sócrates. Aquele endereço era o seu preferido para buscar companhia para suas noitadas, mas estas são histórias para outras colunas.
Visita surpresa...
Polaco, lateral direito que veio do Paraná, em 1975, figura simpática, casado, daqueles acostumados a tirar a aliança nas viagens para se passar por solteiro. Na volta de uma viagem tarde da noite se esqueceu de recolocar a aliança no dedo. Deitou-se para dormir e foi acordado de madrugada pela esposa. Curvada à beira da cama e com a mão estendida ela batia no ombro dele e perguntava: “O que é isto?”, mostrando a aliança na palma da mão. Sem conseguir explicar, ele foi expulso de casa e às 05 da madrugada bateu na Casa do Atleta pedindo para dormir. Polaco ouvia esta história toda vez que um colega seu explicava porque o apelido dele era “Cartão Amarelo”.
Outro dia, ao ler um artigo de Schubert Persine, no Saudade FC deste Jornal da Vila, sobre o ex-lateral Marinho, do Botafogo, lembrei-me da época em que acompanhei o prematuro encerramento de carreira deste profissional. Pouco antes de deixar o futebol chegou a ser pretendido pelo Flamengo. Era, portanto, início de uma carreira brilhante. Intercalou períodos de titular e reserva do Botafogo de 1973 a 1976, dividindo posição com Ferreira, Polaco e Valdir, numa época em que os laterais tinham que marcar pontas como Edu do Santos, Romeu do Corinthians, Wilsinho da Portuguesa, Ziza do Guarani e outras feras.
O fim de um sonho...
No melhor momento de sua carreira, Marinho começou a enfrentar problema de contusão, dores musculares, afastando-se para tratamento e quando voltava cheio de esperança, as dores antigas se manifestavam novamente. Durante meses, Marinho peregrinou por consultórios, clínicas e laboratórios sem descobrir o mal que o afastava das atividades de campo. E assim foi até o dia em que se viu obrigado a encerrar a carreira prematuramente, desfez-se o sonho que parecia tão perto de se concretizar indo para um time grande. Naquela época o Botafogo perdeu dois laterais, porque Valdir, outro excelente lateral-direito, também encerrou a carreira prematuramente por contusão.
A ajuda de Sócrates...
Marinho passou por uma junta médica no Hospital das Clínicas, uma conquista do amigo Sócrates. Ele sempre se relacionou bem com a imprensa, simpático, sabia fazer amigos. Um dia, depois de muitas idas e vinda, com um misto de alegria pela descoberta e de tristeza pela perspectiva sombria, ao chegar no Estádio Santa Cruz me disse: “Os médicos descobriram o que eu tenho, é uma coisa rara, até o nome é difícil”. Desta conversa saiu a matéria principal do Diário da Manhã com o título: “O mal de Marinho é PSOÍTE”. Assim mesmo, com esta palavra esquisita em caixa alta de lado a lado do caderno de Esportes. Na época deu trabalho para pesquisar, não havia o Google, onde hoje com um simples clicar se descobre que: “Psoíte é a doença inflamatória de um músculo do abdômen, o psoas, que é responsável pela flexão da coxa sobre a pelve”.
Não importa local nem tempo, sempre há repetição de cenas, palavras e ações idênticas a fatos já ocorridos. Na década de 70, ao ser substituído num jogo do Jaboticabal Atlético, Paulo Campos (ex-Comercial) ironizou o substituto Duzentas: “Vai lá, bobão, resolve lá”. E resolveu. Duzentas fez dois gols e o time ganhou de virada. Na Fazenda Experimental, localizada entre Sertãozinho e Barrinha, jogo de futebol amador, Zé Roberto Briza estava no banco de reservas e foi chamado pelo técnico Mauro Briza. Não respeitou nem a condição de tio do treinador, mandou o recado: “Vou fazer dois gols e sair”. Ao marcar o segundo, saiu pela linha de fundo e gritou para o técnico: “Estou saindo”.
As goleadas...
Sem prometer, mas com o mesmo espírito rebelde, Lola (ex-Botafogo e Atlético Mineiro), quando jogava pelo Guarani, em pleno Estádio Olímpico, repetiu a cena. Chamado pelo técnico Zé Duarte, Lola entrou no decorrer do jogo, marcou dois golaços contra o Grêmio, passou pelo banco, deu um tapinha no ombro do técnico e disse: “Coloca outro que estou saindo”. O placar (5 a 4) na vitória do Fluminense sobre o Grêmio, pelo Campeonato Brasileiro deste ano é repetição de goleadas históricas. Não por acaso, por times que jogam ofensivamente como eram Santos, Comercial e Botafogo. Ninguém esquece os 7 a 5 e os 5 a 4 da década de 60.
As decisões...
A semifinal da Liga dos Campeões da Europa lembrou as viradas de Atlético Mineiro e Corinthians na Libertadores anos atrás. O Liverpool, que perdeu o primeiro jogo de 3 a 0, estava vencendo o segundo por um a zero e precisava de mais dois gols para levar a decisão para os pênaltis. No intervalo o técnico do Liverpool fez uma alteração e disse ao jogador substituto Wijnaldum: “Vai lá e faz dois gols”. Nas duas primeiras jogadas que participou, Wijnaldum meteu a bola na rede duas vezes, mas não pediu para sair. Ficou até o final para comemorar a classificação com os 4 a 0, eliminando o poderoso Barcelona.
Em Maceió, convivi algumas horas com Neto e Luciano do Valle, no Estádio Rei Pelé, enquanto nos preparávamos para a transmissão de um jogo da Copa dos Campeões. Neto estava começando como comentarista. Nossa conversa revelou duas coisas: Neto já não era aquele arrogante e prepotente dos tempos em que jogava e, deslumbrado com a nova atividade, mostrava-se surpreso com os problemas enfrentados antes de uma transmissão de rádio e TV. – “Quando a gente é jogador, que só vive no bem-bom, confortavelmente instalado nos hotéis, nem imagina as dificuldades que vocês passam para fazer uma transmissão”, afirmou arrependido de suas brigas com a imprensa.
Sacrifícios...
Os radialistas antigos aprenderam que só interessava ao ouvinte o produto final e assim os acontecimentos de bastidores eram guardados lá, diferente do que ocorre hoje. Neto tinha razão na sua descoberta, ninguém tomava conhecimento dos sacrifícios a que se submetiam repórteres, locutores, comentaristas e técnicos. Para uma transmissão de um jogo, que durava em torno de duas ou três horas, às vezes, eram consumidas de 12 a 18 horas de atuação, com viagens, instalação de equipamentos, sem contar os imprevistos. Muitas vezes até a alimentação era comprometida neste período. As viagens para outros estados eram ainda piores, muitas delas eram feitas de carro porque o orçamento das emissoras não permitia passagens de avião.
Riscos...
Certa vez, numa dessas viagens, o repórter Rodrigues Gallo, o comentarista Celso Franco e eu fomos a Curitiba de carro. Um Fiat 147 ou o “Azulão da Clube” (Fusca), não lembro bem. Este veículo minúsculo confrontou com uma enorme carreta, numa curva perigosíssima da famosa “Estrada da Morte” (Régis Bittencourt). Nós subindo e a “jamanta” descendo, faltavam poucos metros para ela passar por cima de nossa viatura. Rodrigues Gallo, no banco traseiro, afundando-se no assento rezou o Pai Nosso em décimos de segundo. Escapamos da tragédia. Aliviados, paramos o carro e caímos em gargalhadas, por alívio e gratidão, sem entender como o “Galinho” conseguiu rezar o Pai Nosso mais rápido do mundo sem atropelar uma palavra.
Conversando com Dr. José Olavo de Freitas Bonsegno, cirurgião-dentista e botafoguense de grande clarividência e sensatez no que faz, no que fala e com o que vê, relembramos grandes jogadores do Botafogo, entre eles Alexandre Bueno, que faleceu no dia 6 de maio último, aos 67 anos. Alexandre chegou ao Botafogo em 1971, procedente de Santos, residiu num casarão na esquina da Rua Visconde do Rio Branco com a Rua Amazonas, uma pensão que abrigava outros jogadores como Eraldo, Luiz Carlos Barrinha e Roberto, um zagueiro que também veio de Santos junto com Alexandre Bueno.
Os melhores...
Maritaca, meia-atacante botafoguense de 1971 a 1973, conta que o “Jacaré”, apelido de Alexandre Bueno, o melhor meia-esquerda com quem ele jogou, dizia: “Quando você dominar do lado da área pode rolar a bola para traz sem olhar que estou chegando”. E assim fizeram muitos gols. Dr. José Olavo também elege Alexandre Bueno entre os melhores e faz uma extensa lista dos maiores meias-esquerdas da história do Botafogo: Américo Salomão, Adalberto, Henrique Salles, Mário Carioca, Paulinho Cabeludo, Raí, Boiadeiro, Nair, Roberto Pinto, Paulinho Andrioli, Márcio, Lorico, Alexandre Bueno, Cunha, Alfredo, Moreno e De Rosis.
O empresário...
Dr. José Olavo relaciona com facilidade os melhores da história botafoguense. Meias-direitas: Neco, Sócrates, Laerte, Alex e Maritaca. Pontas-direitas: Zé Mário e Nóca. Centroavantes: Geraldão, Amorim, Xixico, Sicupira, Antoninho, Arlindo e Mairiporã. Em 1973, Alexandre Bueno deixou o Botafogo para ocupar a posição de Alfredo, outro ex-botafoguense, no Guarani. Como jogador brilhou no Guarani, São Paulo e Grêmio. Ao encerrar a carreira virou empresário. Foi ele quem descobriu e levou para o São Paulo o meia Juninho Paulista, pentacampeão mundial e hoje diretor de seleções da CBF.
A Arena Eurobike é o xodó atual da diretoria do Botafogo, o Estádio Santa Cruz é de memórias fantásticas, mas o botafoguense mais antigo jamais vai deixar de considerar o Estádio Luiz Pereira como “Santuário de Vila Tibério”, por onde desfilaram os maiores craques do futebol brasileiro, jogando contra ou defendendo o Botafogo. Nestas histórias há fatos que os torcedores vivenciaram e outros que ficaram nos bastidores, que, aliás, é um manancial inesgotável de manias e espertezas dos jogadores de futebol.
Concorrência...
Um dos ídolos daquela época foi Nair, que faleceu no ano passado, no Rio de Janeiro, aos 81 anos. Meia-esquerda, ele atuou no Botafogo em 1961 e 1962, onde a concorrência pela posição era duríssima. O time era: Machado; Ditinho, Tatau e Antônio Julião; Henrique e Tarciso; Alex, Silva, China, Nair e Ivan. Nair participou da famosa excursão do “Pantera” pela Argentina. Depois do Botafogo, jogou na Portuguesa (Felix; Cacá, Ditão e Edilson; Pampolini e Vilela; Neivaldo, Ivair, Gino, Nair e Nilson) e no Corinthians (Heitor; Jair Marinho, Ditão, Clovis e Maciel; Nair e Rivelino; Marcos, Nei, Flávio e Gilson Porto).
Henrique...
Com tanta concorrência pela posição, o empresário José da Gama disse à diretoria do Botafogo que Nair era meia, mas jogava também de centroavante, Antoninho tinha acabado de ser vendido para a Itália. Só que no campo Nair tentava aplicar o golpe e dizia para o meia Henrique: “Quando eu sair da área, você entra”. Era uma maneira de ele atuar por alguns momentos na sua posição original e, quem sabe, futuramente tomar a posição do colega. Mineiro de Ubá, nascido em Carangola, desconfiado, daqueles que nunca perdem o trem, Henrique ficou na dele. Nunca entrou na área quando Nair pediu e nem perdeu a posição de titular.
Resgatando a memória da Vila Tibério e valorizando sua gente!
10 mil exemplares distribuídos gratuitamente.