(História fictícia baseada em acontecimentos verdadeiros, como a passagem da porteira, o Come-Fogo e o enterro, que ainda menino, presenciei)
Domingo, meado dos anos 60. Carlos ia almoçar pela primeira vez na casa de Carmem Lúcia. Pensava em casamento.
Desceu a Duque de Caxias e, ao chegar na Luiz da Cunha, parou na cancela do trem. Era a única ligação do Centro da Cidade com a Vila Tibério.
“Maldita porteira, tinha que fechar bem agora!”, lamentou.
Uma locomotiva a vapor, conhecida como Maria-Fumaça, fazia manobra pelo pátio da Estação da Mogiana. As “porteiras” interrompiam a passagem de veículos e pedestres. Os mais apressados corriam pelo túnel malcheiroso que passava por baixo da linha férrea. A maioria aguardava o fim das manobras.
Carlos, impaciente dentro do sua “Vemaguete”, pensava que poderiam não gostar do seu atraso. Mas, na verdade, o que o incomodava mesmo, era o fato de ele ser torcedor do Comercial, e isso era considerado um crime pelo pai de Carmem Lúcia. Ela aceitava a preferência do seu amado, mas pedia para Carlos guardar segredo.
“É melhor não falar em futebol”, dizia ela.
“Aqui nesta casa não tem bafudo...”
“Seu” Pedro tinha orgulho de dizer que naquela casa só entravam produtos da Antarctica, fabricados na Vila Tibério, e que ele, embora filho de ferroviário da Mogiana, sempre trabalhara na cervejaria. Orgulho maior era dizer que toda a família era composta de botafoguenses.
“Aqui, graças a Deus, não tem nenhum bafudo”, dizia, atrás de um bigodinho bem aparado.
Carlos passou pelos bares da Luiz da Cunha, todos lotados, e virou na Conselheiro Dantas. Passou em frente ao Grupo Escolar Dona Sinhá Junqueira, ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário e virou na Santos Dumont, na esquina do Bar do Paciência.
Enfrentando o sogrão
Parou em frente à casa com um pequeno alpendre e desceu, enxugando o suor, provocado pelo forte calor e pela ansiedade.
Carlos foi recebido por Carmem Lúcia e seu irmão, um jovem com seus 16 anos. Entraram e
“seu” Pedro foi logo oferecendo um copo de cerveja. A mãe, dona Lurdes, veio cumprimentar o rapaz e voltou logo para a cozinha, acabar o almoço.
“Seu” Pedro foi logo inquirindo sobre o que fazia e qual time torcia. Carlos contou que trabalhava como vencedor em uma loja e que não ligava pra futebol.
“O quê? Não gosta de futebol, pois hoje tem Come-Fogo e você vai comigo ver o que é um time de verdade”, afirmou.
Carlos não teve alternativa. Depois de uma deliciosa macarronada com frango e muita cerveja, foi com o “sogrão” e o “cunhadinho” para o Estádio Luiz Pereira, a alguns quarteirões dali.
No Come-Fogo
O Botafogo ganhou por 5 a 2, com gol de Laerte, dois de Antoninho e dois de Geo. Era um tal de abraços e pulos que não acabava mais. Carlos quase se traiu no gol de Carlos Cézar.
Depois do jogo, “seu” Pedro falou que a comemoração de verdade iria acontecer no Bar Botafogo, do Chanaan Pedro Alem. Lá, centenas de pessoas, todas com cerveja na mão, gritavam eufóricas. Um caixão de defunto apareceu dos fundos das canchas de bocha e imediatamente “seu” Pedro pegou uma das alças e colocou as mãos do “genro” em outra. Virou uma verdadeira procissão com a multidão acompanhando o caixão e cantando: “Dia 13 de Maio, na Vila Tibério, o Bafo apanhou de cinco a zero; Ave, Ave, Ave Maria...”.
Carlos, segurando uma das alças daquele fatídico caixão pensou: “O que a gente não faz por amor!”.