Padre Antônio, da cidade de Veneza, era um sacerdote um tanto estranho. Em 1703 ele foi ordenado padre mas, em 1704, foi dispensado da celebração da Eucaristia por causa de sua saúde fragilizada. Usava batina, rezava missa mas, sua verdadeira profissão de fé era a música. Compunha e tocava como um verdadeiro artista profissional.
Sua conduta perante as regras da igreja provocava muitos boatos e a desaprovação dos fiéis. Uma delas se refere a uma ocasião em que ele rezava a santa missa quando, inesperadamente, veio-lhe uma grande inspiração de um tema sobre uma fuga. Os acordes foram crescendo dentro de si de tal forma que sem hesitar, ele abandona o altar, corre para a sacristia, faz anotações sobre o tema e só depois, sem dar a mínima para o espanto dos fiéis ali presentes, volta ao altar e continua com a cerimônia.
Por essa sua atitude foi denunciado à inquisição mas, esta apenas o considerou como “músico”, isto é: louco. Seu castigo foi a proibição de celebrar missas. Ao enviar uma carta para um amigo, o marques Bentivoglio, ele dá uma versão diferente da história. Dizia que não rezava uma missa havia 25 anos não por proibição de seus superiores, mas, por motivo de saúde que lhe causava opressões no peito. Uma doença um tanto peculiar que lhe impedia de celebrar ofícios religiosos mas, não atrapalhava suas atitudes como compositor, concertista, regente e empresário, viajando por toda a Europa. Era mesmo bem estranha essa terrível doença que ele chamava de “mal de peito” mas, que não interferia com toda sua energia e tino comercial quando era contratação para apresentações de sua música.
Realmente era um personagem bem diferente este Padre Antônio Vivaldi, criador de As Quatro Estações, uma de suas obras mais conhecidas em todo o mundo. Antônio Lucio Vivaldi nasceu em Veneza em 4 de março de 1678. Aos dez anos de idade aprendeu a tocar violino com o pai e periodicamente, começa a substituí-lo na orquestra da Capela San Marcos. Em 1693 inicia sua carreira religiosa e fica conhecido “Il Prete Rosso” (o Padre Ruivo) por causa de seus cabelos ruivos. Mas, esta sua duvidosa vocação religiosa era apenas um trampolim para sair da pobreza e ter estabilidade financeira para se dedicar a sua grande paixão: a música.
Em 1703 ele foi ordenado padre mas, em 1704 foi dispensado da celebração da Eucaristia por causa de sua saúde fragilizada, provavelmente sofria de asma.
Para sua felicidade, poucos meses após sua ordenação ele foi designado para lecionar violino no Seminário Musicale dell’Ospedale della Pietá em Veneza. Esse “ospitale” veneziano, assim como tantos outros, era um hospital para doentes e crianças abandonadas, onde também funcionava uma escola de música, principalmente para moças pobres ou com alguma deficiência física. As apresentações dessas jovens aos domingos eram uma grande atração em Veneza pois, a música era belíssima e as moças não eram vistas pelo público, ficando escondidas em tribuna fechada pois, essas “malnascidas” com algum problema físico, poderiam acabar com o encantamento da música. Somente o padre tinha contato com elas.
Em 1707, o padre Vivaldi aceita um convite para trabalhar em Mantua onde fica até 1713 quando novamente retorna a Veneza e, mais uma vez, assume a direção dos concertos das jovens da Scuolla della Pietá. Novamente o Padre Rosso desencadeia uma onda de comentários maliciosos entre os venezianos com respeito a sua longa permanência em meio a tantas inocentes mocinhas. Vivaldi não dava a mínima para as fofocas. Suas partituras já eram sucesso em toda Europa revelando um grande talento que o colocava acima de qualquer suspeita. Poucos compositores tiveram tanta fama como ele na sua época. Na área instrumentista e operística ele superou todos seus contemporâneos.
A ópera estava em alta nesta época e Vivaldi, além de compor, dirigia a encenação, fazia a coreografia, regia a orquestra e ainda cuidava da parte administrativa. Viajava muito para seus concertos e recitais e levava em sua companhia a cantora Anna Giró, a qual o povo maliciosamente chamava de Annina del Prete Rosso (Aninha do Padre Ruivo).
Apesar de sua condição de sacerdote, levava uma vida mundana numa época em que os aristocratas ditavam as regras, inclusive na música. Era o grande astro da época. Bom diplomata, Vivaldi os bajulava dando a eles, não a música que eles queriam mas, sim, aquela fiel a si próprio.
Mas, assim como aconteceu com outros compositores da época, ele acaba na miséria. Sua música já não encantava mais o público e ele se tornou “fora de moda” por conta da mudança de gosto e da chegada da ópera napolitana. Sem mais recursos, foi obrigado a vender grande parte de seus manuscritos a preços irrisórios apenas para financiar sua viagem para Viena a convite do imperador Carlos VI. O motivo dessa viagem não foi realmente esclarecidos mas, consta que o imperador adorava sua música.
Enfrentou a opinião e os bochichos públicos sem nunca se intimidar, conseguindo com inteligência e sutileza sobreviver com sua independência. Vivia entre o sagrado e o profano, do púlpito da igreja para o público dos teatros sem se abalar com o contraditório. Era a própria alma da cidade veneziana onde nasceu, com seus caprichos e sua mágica beleza.
Sobre seus últimos dias quase nada se sabe, apenas que morreu em Viena em 1741, aos 60 anos e, assim Vivaldi, foi enterrado como indigente em um cemitério de Viena. Por cem anos sua obra cai no ostracismo, ressuscitando no século 20 quando novamente é reconhecido seu grande talento e sua música continua tão fascinante.