“Aqui estão os meus ossos à espera dos vossos!”. Esta inscrição, logo na entrada do Cemitério da Saudade pela Rua Flávio Uchoa, sempre mexeu comigo.
Com 10, 11 anos, cabulava aulas. Baixava no cemitério pelos ônibus da Viação Cometa. Visitava o túmulo paterno e vasculhava todo o local, procurando nomes conhecidos, admirando estátuas e observando frases nas lápides.
Embora seja uma tradição de centenas de anos, o Dia de Finados, para mim, está ligado ao Cemitério da Saudade, onde estão enterrados meu pai, desde 1958, e minha mãe, agora em 2017. Estão também avós, tios e primos.
Nos dias que antecedem o dia dos mortos, famílias inteiras limpam e pintam túmulos e calçadas e dividem a água dos grandes tanques, que ficam nas esquinas das quadras, com pessoas que são pagas para cuidar dos jazigos. Flores são depositadas sobre túmulos de mármore ou granito, com grandes esculturas e acessórios de bronze, assim como nos de cerâmica e, até nos mais simples, de cimento. Para ricos ou pobres, a morte é igual.
Entre os túmulos mais visitados do Cemitério da Saudade, chama a atenção o de José Martins de Almeida, que ficou conhecido como “Menino Zezinho”, que nasceu em Altinópolis, em 1938, e veio para Ribeirão quando ainda era bebê. Diagnosticado com filariose (elefantíase), doença parasitária que gera inchaço extremo dos membros.
Zezinho inspirava compaixão por causa da deformidade causada pela elefantíase, numa época em que não existia tratamento para a doença. Nessa época, teria tido uma visão com Santo Antônio e passado a benzer. Segundo relatos da década de 1940, grandes filas se formavam para receber as bênçãos do menino. Zezinho morreu ainda criança, aos nove anos. A devoção e a crença de que ele era milagreiro ninguém sabe ao certo, mas desde aquela época seu túmulo (sepultura nº 1.632 da quadra 12) é o mais visitado. O mausoléu do menino tem cerca de 300 placas de oferendas e agradecimentos por graças alcançadas.
São bastante visitados também os Túmulos das Almas (um na quadra 27 e outro na quadra 16). Depois de 50 anos, os mortos enterrados em valas comuns foram transferidos para o ossário geral, que depois de lacrado, se transformaram em Túmulo das Almas. É grande o número de pessoas que deixam flores e acendem velas para lembrar de tantas pessoas que depois de mortas ficaram esquecidas.
Uma coisa que sempre chamou a minha atenção é o túmulo com a estátua de um cão dálmata. Segundo funcionários do Cemitério da Saudade, o cachorro acompanhou o cortejo do dono e ficou ao lado da sepultura. A família tentou levar o cão embora, mas ele ficou lá até morrer, uns 40 dias depois. Na lápide consta a seguinte inscrição: “Só a morte destrói a fidelidade de um cão”.
Essas memórias, afetivas e curiosas, me tocam e lembram de uma brincadeira de minha mãe, que na sua lápide deveria constar: “aqui jaz Dirce, muito a contragosto”.