Como nos filmes, vou falar sobre uma história baseada em fatos que mistura suspense, terror, canibalismo e amor. Uma história que se desenrolou em terras brasileiras nos idos de 1510.
Diogo Álvares Correa era um jovem fidalgo português ávido por novas aventuras e não se sabe como e nem porque, entre 1509 e 1510, chegou em terras brasileiras de um modo bem cinematográfico. Vinha ele tranquilamente a bordo de um navio português quando este começa a naufragar nas proximidades do Rio Vermelho, em Salvador, na baía de Todos os Santos. Diogo e mais outros oito tripulantes conseguem se salvar nadando até praia. Mas, para eles a alegria de estarem vivos durou pouco, pois logo se viram cercados por um grupo de índios da tribo tupinambá, estranhamente felizes com a descoberta dos náufragos.
Crente que estavam seguros e em meio a uma tribo amiga, só que não. Logo descobriram que esses índios eram canibais. Então começa a sessão terror. Foram aprisionados em uma espécie de gruta e um a um foram devorados pelos selvagens, menos Diogo. É aí que se misturam história real com várias lendas. Uma delas conta que Diogo era muito magro e não apetecia aos canibais que o batizaram de Caramuru, que significava moreia, nome de um peixe magro e comprido.
A outra parte da história conta que o tal Caramuru, o último que sobrou, conseguia dar umas saidinhas de sua prisão e, em uma dessas ocasiões, encontrou restos da carga do navio espalhados pela praia, entre eles havia barris de pólvora e uma arma. Sabendo que, como na história de João e Maria, ao ganhar peso seria o próximo item no cardápio dos canibais, resolveu dar uma de super-herói, pega a arma, coloca pólvora e dispara matando um pássaro. Como os índios não conheciam a pólvora, ficaram apavorados e começaram a chamá-lo de “Caramuru”, que significava filho de fogo.
Para se garantir mais ainda como o poderoso da tribo, leva o cacique Taparica à sua toca e coloca fogo em um pouco de pólvora. O cacique ficou apavorado. Foi então que tudo mudou. O jovem aventureiro deitou e rolou com sua fama de filho do trovão. As índias fizerem dele seu “crush” e a disputa era enorme entre as mulheres acompanhadas das ciumeiras dos jovens índios. Mas, o cacique Taparica logo viu um jeito de tirar alguma vantagem da situação e lhe oferece sua filha Paraguaçu como esposa. E assim foi feito.
Mas, tem ainda outra versão neste “imbróglio”. Conta-se também que a jovem índia Paraguaçu assim que viu Diogo caiu de amores por ele, salvando sua vida evitando que virasse o prato do dia. O certo é que os dois se casaram e viveram felizes. Porém, como em toda boa novela que sempre tem um triangulo amoroso, entra na história a índia Moema, irmã de Paraguaçu, também apaixonada por Caramuru. Sem maiores complicações, ela se torna a segunda mulher de Caramuru. Mas, seu grande amor sempre foi Paraguaçu.
Tudo corria muito bem até que Caramuru resolve dar um giro pela França levando com ele Paraguaçu. Foi um auê. Dizem que enquanto o navio se afastava da costa baiana, várias índias apaixonadas por ele e que, provavelmente fizeram parte de seu harém, se jogaram no mar numa desesperada tentativa de acompanhar o mesmo, inclusive Moema. Sem sucesso na tentativa, elas voltaram, menos a inconformada Moema que se deixou levar pelo mar.
Em meio a tantas versões verdadeiras ou não, o certo é que existem fatos indiscutíveis sobre a importância de Caramuru na história do Brasil. Segundo alguns relatos de uma das expedições de Martim Afonso de Souza, em 1531 Caramuru foi encontrado vivendo com sua Paraguaçu, em plena harmonia em meio aos Tupinambás.
Voltando a parte real, na França, Paraguaçu foi batizada na igreja católica de Saint-Malo adotando o nome de Catherine du Brésil homenageando sua madrinha Catherine des Granges, esposa de Jacques Cartier, um explorador canadense. Nesta mesma cidade eles também se casaram oficialmente. Retornando ao Brasil, por conta de seu conhecimento da língua e dos costumes indígenas, ele se tornou um importante elo nas relações entre os índios e colonizadores portugueses que aqui chegavam.
Também soube tirar suas vantagens. Usando de suas boas relações com os franceses, fornecia a eles grande quantidade de madeira pau-brasil que era contrabandeada para a Europa. Essa história de desmatamento, vem de longe...
Ainda, através de sua boa relação com os indígenas, Diogo facilitou o contato entre primeiros missionários europeus que aqui chegaram e os índios. O governador donatário da capitania da Bahia, Francisco Pereira Coutinho, enciumado com a boa relação de Caramuru com a corte portuguesa, deu a ele uma importante sesmaria. Mesmo assim, Caramuru não conseguiu evitar que Coutinho fosse devorado pelos tupinambás quando voltava de Porto Seguro e seu navio ter naufragado.
Caramuru teve quatro filhas com Paraguaçu que se casaram com fidalgos portugueses recém-chegados ao Brasil. Porém, teve mais 16 filhos com outras índias. Vocês já imaginaram o número de descendentes de Caramuru que existe por aqui?
Este grande aventureiro faleceu na cidade de Tatuapara, Bahia, em 5 de outubro de 1557. Paraguaçu, dona de muitas terras e poderosa, viveu ainda mais 26 anos, falecendo em 1583 deixando um testamento que até hoje está no Mosteiro de São Bento na Bahia, cuja construção foi bancada por ela. Neste testamento ela deixa todos os seus bens para os monges beneditinos. Seus restos mortais estão na Igreja e Abadia de Nossa Senhora da Graça, em Salvador.
Devo lembrar que ainda existe a versão ensinada nas escolas então, cabe a cada um, escolher aquela que mais lhe agrada.