Será que alguém ainda se dá ao prazer de desfrutar de um delicioso piquenique? Ou será que esta geração “high-tec” sabe o que isto?
Nos bons tempos, um piquenique era uma cerimônia de bom gosto e a oportunidade de poder desfrutar de momentos agradáveis em boa companhia, sempre ao ar livre, geralmente no campo ou na beira mar. Nada a ver com os “farofeiros” de hoje. Era privilégio da aristocracia e da elite que carregavam com eles os petiscos mais requintados.
De origem francesa, surgiu no século 17, e com o passar dos anos foi conquistando seu espaço mundo afora até se perder por conta dos tais “tempos modernos”. Mas, existe um piquenique que fez sua história no mundo das artes. Contrariando o código de boas maneiras, Edouard Manet, pintor francês do século 19, escandalizou seus compatriotas com seu quadro Le Dêjeuner Sur l’Herbe (Almoço na Relva). Uma cena comum na pintura impressionista, quatro pessoas bem à vontade sobre relva desfrutando de um piquenique. O motivo de tal escândalo era a figura de uma mulher nua, muito à vontade, participando deste piquenique em companhia de homens muito bem-vestidos de acordo com os padrões da época (1863).
Quando o quadro foi exibido na mostra do Salon des Refuses, local que exibia as pinturas que eram consideradas sem qualidade para serem expostas no Salon oficial de Paris, o então imperador Napoleão III, tido como benevolente, ficou furioso, querendo o nome do autor de tal barbaridade. Ao saber que fora Manet o autor do quadro, sua fúria foi maior ainda. Manet foi massacrado pela crítica que considerou o quadro uma desavergonhada indecência que ele impôs aos “respeitáveis visitantes” e que ele possuía todas a qualidades para ser rejeitado totalmente pelos críticos de todo o mundo. Na época, os nus eram comuns na arte representando apenas figuras da mitologia, mas não em cenas do dia a dia, ainda mais com uma mulher nua.
Manet foi apoiado apenas pelo escritor Emile Zola e alguns outros amigos mais esclarecidos do mundo da arte que o consideraram um homem de coragem e talento. Desafiadoramente, em 1862, Manet escreveu em uma carta ao jornalista francês Antonin Proust: “Eles prefeririam que eu fizesse um nu, certo? “Bom, eu farei um nu…” E assim fez...
Manet também foi vítima dos excessos do puritanismo da Rainha Vitória, da Inglaterra, que começou a se espalhar pela Europa em meados do século 19. Na época, a Grã-Bretanha era a grande potência e a aristocracia francesa copiava o que a inglesa fazia, adotando a moral e os modos ingleses como imagem de refinamento.
Hoje o quadro se inverte: piquenique é considerado algo fora de moda e, posar nu, é muito elegante e dá “status”. Tudo que Manet provou com seu quadro é que o escândalo daquele tempo, hoje encanta e rende muito dinheiro. Que o digam as Annitas e as tantas madrinhas de baterias do carnaval. Apenas com uma grande diferença: as pinceladas de Manet eram pura arte.
Manet nasceu em Paris em 1832, filho de uma respeitável família da burguesia. Seu pai era um oficial de alto escalão do Ministério da Justiça e sua mãe filha e neta de diplomatas. A família queria que ele estudasse Direito, mas Manet foi logo reprovado no exame de admissão. Foi mandado para a marinha como cadete e logo se deu conta de sua incapacidade como marujo pois, não conseguia sequer fazer um nó de marinheiro.
Mesmo contrariando a família, que depois cedeu, Manet tornou-se pintor. Seu estilo contrastava com o modernista da época e ele teve grande influência de Velazquez e Goya. Em sua juventude, visitou o Brasil e ficou bastante impressionado com as mulheres negras que andavam nuas da cintura para cima. Em seu maravilhoso quadro Olympia, ela retratou de forma notável uma serva negra.
Manet estudou piano com Suzanne Leenhoff que tempo depois deu à luz um menino, mas a criança mesmo sem ser reconhecida levava o nome de Manet em seu registro. Ele e Suzanne se casaram anos mais tarde em uma igreja protestante da Holanda e, portanto, como católico, este casamento não era reconhecido na França.
Com a chegada da guerra Franco-Prussiana, levou a esposa e o filho para longe de Paris e quando a guerra termina ele começa a frequentar os famosos salões das cortesãs, usando várias delas como modelos. Paris estava repleta de prostitutas e a sífilis era a doença mais comum da época e Manet também foi vítima dela. Seu tormento com a sífilis era tanto, que ele passou a se retratar como um cadáver. Mesmo assim doente, ele pintou seu quadro mais famoso: Bar no Folies Bergeres, lugar que era o mais animado da cidade, que na verdade, era um antro luxuoso de prostituição e onde trabalhava uma de suas amantes retratada neste quadro, Mery Laurent.
Manet faleceu em 1883 e se tornou um dos principais pintores impressionistas do século 19. E com este seu piquenique, ele colocou seu nome no topo da história da arte.