Corria o ano de 1801. Na Catedral de Lucca, Itália, estava sendo celebrada uma missa solene. Um coro cantava músicas sacras e os fiéis em total silêncio deixavam-se envolver pela suavidade das vozes. Inesperadamente tem início um estranho concerto de violino cujos sons diabolicamente imitavam o cantar dos pássaros e de todos os instrumentos possíveis. Os celebrantes se assustaram e os fiéis esquecendo-se da cerimônia caíram em gargalhadas divertindo-se com o fato. Riram mais ainda ao depararem com o autor do fantástico concerto: um rapazinho extremamente feio e de aspecto fantasmagórico. Algum tempo depois, este mesmo violinista excêntrico, bagunça uma outra cerimônia religiosa causando grande confusão a ponto de os frades terem de encerrar o ofício para botar ordem no lugar.
Na cidade começaram a fervilhar os comentários sobre o estranho violinista feio e abusado que agradando as autoridades local, foi nomeado para o honroso cargo de Primeiro Violinista da República Luchese. Cargo que além de sua importância lhe permitia continuar seus estudos musicais e dar concertos em várias cidades da região de Lucca.
Em uma outra ocasião, ao subir ao palco o jovem violinista pisou em um prego e passou a mancar pelo palco tornando mais estranha sua figura, causando risos na plateia. Ao aproximar-se do móvel onde se apoiam as partituras, derruba um castiçal aumentando mais ainda as gargalhadas e, para completar, assim que desliza o arco pelo violino, uma corda se quebra. Mais risos e vaias. Sem se abalar, o desengonçado violinista inicia a execução de um recital tocando apenas com três cordas com um desempenho extraordinário. O público, como que enfeitiçado se cala e quando o jovem termina é aplaudido de pé. O jovem magricela, de longa cabeleira negra, nariz adunco e aspecto demoníaco, dominou o público.
Assim como em todas as áreas das artes, a música também tem seus mitos cujo comportamento extravagante faz nossa imaginação acreditar em seus poderes místicos. Esse estranho jovem foi um compositor e um violinista italiano fora de série, considerado a maior virtuose do século 19. Esse outro “maluco beleza” era Paganini. Dotado de uma técnica excepcional, conseguindo dar mais possibilidades expressivas ao violino, Niccolò Paganini tornou-se um gênio. E por conta de sua genialidade e de sua velocidade na execução de suas obras, tocando doze notas por segundo, em torno de sua pessoa foram criadas várias lendas, entre as quais ele teria feito um pacto com o diabo que lhe deu poderes musicais sobrenaturais e diabólicos. Antes dele, os violinistas só tocavam acompanhando as partituras, já Paganini subia ao palco com todo o programa memorizado.
Nascido em Gênova, na Itália, em 1782, era filho de um portuário que tocava violino, herdando assim, o gosto pela música. Aos oito anos compõe sua primeira obra após um rápido curso de violino. Com apenas 17 anos, sua grande habilidade com o instrumento o torna famoso e começa a se apresentar pelo país acompanhado do pai com o qual se desentende e passa a trabalhar sozinho.
Logo começam os primeiros boatos sobre seu comportamento e sua vida misteriosa, envolvendo crimes, mulheres e forças diabólicas. Na realidade, Paganini levava uma vida desregrada que a fama lhe permitia, frequentando lugares de jogatina e se envolvendo em aventuras amorosas com qualquer tipo de mulher. Muitos acreditavam que ele mesmo criava essas lendas, pois gostava dessa aura de satanismo em torno de si. Com crescente sucesso, ele excursionava dando recitais por toda a Itália. Seu aspecto diabólico, assim como sua música, fascinavam o público. Mulheres chegavam a desmaiar e algumas fantasiavam dizendo ter visto um demônio com chifres e rabo tocando violino.
Sua fama atravessa fronteiras e o leva para outros países: Alemanha, Franca, Áustria, Inglaterra. Cada vez mais ele desenvolvia sua técnica com completo domínio sobre o violino, tornando-se o assunto predileto em todos os círculos sociais. Também aumentava sua excentricidade. Com os cabelos mais longos, chegava aos concertos coberto por um comprido manto negro e em uma carruagem puxada por quatro cavalos também negros. Em Bruxelas amarga seu único insucesso. O público, impressionado com a exagerada publicidade em torno de seu pacto com o demônio, não aceitou sua presença. Após algum tempo fora de seu país, ele retorna cheio de glórias, milionário, velho, fraco e tuberculoso.
Viajando novamente para a França, quando estava em Nice, é sufocado por um violento ataque de tosse e ali morre em 27 de maio de 1840, aos 58 anos de idade, deixando um filho. Seu corpo é enterrado no cemitério da cidade e surge nova lenda a seu respeito. No dia seguinte a seu sepultamento, pessoas ao passarem pelo cemitério, contaram apavoradas terem ouvido um violino de forma nunca ouvida antes, tocado por um velho magro que, com um sorriso diabólico, flutuava entre os túmulos. Após passar por vários cemitérios, pois a igreja negou-se a sepultá-lo em um cemitério cristão por recusar os sacramentos finais, pois ele não acreditava que iria morrer, finalmente, em 1896, seus restos mortais são enterrados no cemitério de Parma, Itália, por especial concessão do Papa.
Diabólico ou não, lendas a parte, usando de truques e habilidades, cortando ele mesmo três cordas do violino usando apenas a corda sol durante um concerto pelo prazer de assombrar, Paganini foi um personagem fascinante, dotado de grande talento como músico e compositor que encantou e subjugou a Europa.